Olhou para Pedro e depois olhou para Dulce, vendo
como nenhum dos dois estava ouvindo suas explicações, nenhum dos dois prestava
atenção, estavam totalmente lívidos como duas folhas de papel em branco. Pôde perceber
no olhar de Dulce e no de Pedro que aquela notícia calou até suas almas.

Doutor: Agora o que você tem que colocar na cabeça é que agora...uma forma de
vida está se transformando dentro de seu ventre, e que daqui a oito meses você
porá no mundo mais um ser humano.

Dulce estava tão muda quanto Pedro. Nenhum dos dois dava crédito ao escutado.
Grávida? Dulce esboçou um intento de sorriso, sentindo como as lágrimas
afloravam seus olhos. Grávida? Abriu ainda mais o sorriso. Viu o sorriso do
médico por trás do seu véu de lágrimas. Mas ao contrário do que o médico
pensava, aquele não era um sorriso de felicidade, aquelas lágrimas não eram de
felicidade... Esse sorriso e essas lágrimas eram do mais puro TERROR.

Grávida?!

Sua cabeça dava voltas e mais voltas como em uma roda gigante em alta
velocidade e suspirou, tragando a saliva ao notar como sua garganta se
comprimia... O sorriso se desmanchou à medida que respirava e deixou-se cair no
encosto da cama, fazendo com que sua cabeça machucada fosse magoada. E a dor
infernal que aquele movimento lhe causou junto com aquela bombástica notícia,
fez com que Dulce apagasse outra vez.

E quando abriu os olhos... Olhou para os cantos do
quarto de hospital, ainda um pouco atontada por tudo o que havia sonhado? Fora
um sonho, realmente? Ouviu um barulho no quarto e virou a cabeça para o lado, e
viu como uma senhora limpava o quarto. Dulce franziu a testa quando a mulher
levantou a cabeça e a encarou como se tivesse sida pega em flagrante.

XxXx: Ne pare rău, doamnă.

Em dois minutos viu a mulher arrumar tudo, colocar no carrinho e sair pela
porta. Dulce riu depois de bocejar. Achara engraçado o jeito da mulher, e ainda
mais o dialeto. O que será que ela disse? Não fazia a mínima idéia. Virou a
cabeça para o outro lado e piscou os olhos ao ver a manhã clara a sua janela.
Sonho estranho... Dulce fez uma careta, enquanto passava a mão esquerda pela
barriga, constatando que estava totalmente reta, como sempre. Não havia bebê
algum ali. Não era possível... Ela havia se cuidado, mesmo quando já não usavam
mais a camisinha, por esquecê-la todas às vezes. Porém continuou tomando
religiosamente seus anticoncepcionais, receitado por seu ginecologista, quem
havia visitado também quando esteve no México.

Esboçou um sorriso. E sentiu como alguém abria a porta de seu quarto. Virou a
cabeça, imediatamente, para dar de cara com o médico que vinha sorridente. A
sensação de “dejávu” não passou despercebida por Dulce, quem piscou os olhos ao
sentir a presença conhecida daquele homem que lhe parecia familiar.

Doutor: Dessa vez me assustou, mocinha.

Ele acionou o botão que subia a cama de Dulce, e
parou quando a tinha quase sentada. Ajustou um pouco o travesseiro em sua
cabeça, enquanto percebia o silêncio dela.

Doutor: Me assustou sua reação...

Dulce franziu a testa, sentindo seu coração disparar ao se dar conta de que
aquilo não fora um sonho. Aquilo era realidade! Tragou a saliva, sentindo como
seus pulmões trabalhavam mais e mais rápidos. E não conseguiu combater a fúria
da angústia que inundava seu ser.

Dulce: Doutor...eu...eu... (balbuciou assustada)
Doutor: Sim. (não deu lugar a dúvidas) Refizemos os exames e agora não há mais
dúvidas.
Dulce: Mas como? (lamentou ela, beirando as lágrimas) Eu...e-eu me
cuidei...todos os dias...
Doutor: Os anticoncepcionais não são cem por cento seguros se não tomados da
maneira correta. Houve alguma vez que o esqueceu?

As lágrimas de Dulce embaçavam sua visão, mas não caíam, estavam amontoadas
umas sobre as outras. Ela suspirou olhando para o nada em busca de uma
resposta...ao qual não foi difícil de se achar.

Dulce: Uma vez... (soluçou) uma vez eu esqueci...
Doutor: E se relacionou sem proteção alguma?
Dulce: Sim...mas eu não...n-não acreditei..q-que pudesse e-estar... Já fazia
dois meses.q-que t-tomava-os... Foi só u-uma v-vez...

Sua voz chorosa fez com que o médico tragasse a
saliva. Agora já sabia porque Dulce estava assim. A conversa que teve com o
produtor lhe mostrou que no mundo dela, ainda não cabia lugar para uma criança.
Eram jovens cantores muito bem-sucedidos e que ainda tinham muito sucesso a
viver pela frente.

E sabia que a notícia da vinda de um bebê para ela, estava sendo...terrível.
Ela parecia assustada, e mais que isso, incrédula...por não saber o que fazer e
por ter idéia de que agora sua vida estava de cabeça para baixo. O médico bateu
as pestanas debaixo dos óculos de grau e suspirou, entendendo o desespero
daquela moça.

Doutor: É a primeira vez que lido com uma paciente como você. Não sou um
clínico geral como seu produtor achou que eu fosse, sou um ginecologista. E não
me designaram porque eu sou o único que sabia falar espanhol...me trouxeram seu
prontuário porque sou o único ginecologista em plantão pela manhã.

Dulce passou as mãos nos olhos enxugando-os, sentindo como o médico se sentava
à beirada de sua cama.

Doutor: Já sabiam que você estava grávida...

E ouvir aquela palavra, fez com que um soluço maior escapasse de sua garganta,
fazendo com que todas aquelas lágrimas amontoadas corressem como rios por seu
rosto. O médico tirou um lenço do bolso de sua calça e o estendeu para ela.

Doutor: Sei que é um momento difícil...e aqui, como um amigo e não um
médico...eu lhe digo... (fez uma pausa até que ela cessasse um pouco o pranto)
Há duas opções a seguir, a primeira: Você se cuida e coloca na cabeça que quer
essa criança, e que irá amá-la por ser simplesmente o milagre da vida que Deus
lhe permitiu... Ou a segunda: Procurará uma clínica de aborto, interrompirá
esse milagre de Deus e ainda correrá o risco de nunca mais conceber um filho.
Qual destas duas opções você escolhe?

Dulce
afundou o lenço em seus olhos, não conseguindo mais controlar o choro
compulsivo.

Doutor: Mas agora não há como lamentar. Agora terá que escolher entre essas
duas opções... Eu sou uma pessoa prática. E sei que nessas horas difíceis, não
podemos nos abandonar no sofrimento... O que temos que fazer é erguer a cabeça
e tentar viver do melhor jeito.

Não conseguiu continuar a falar ouvindo seu pranto sofrido.

Dulce: O s-senhor não e-entende, Doutor... (disse choramingando) E-eu s-só
tenho a p-perder...
Doutor: Você tem certeza? Tem certeza que só perderá com isso? (ele retirou
seus óculos e os colocou no bolso do jaleco) Já sei que você é uma cantora famosa
internacionalmente, já sei de sua fama... e sei o que essa gravidez vai lhe
acarretar. Mas tenta imaginar que daqui a oito meses...uma criaturinha sairá de
dentro de você... Tenta imaginar como vai ser seu rostinho, seu sorriso...a cor
do seu cabelo...