Quando Christopher voltou do banho, Dulce já
adormecera. Pedro havia lhe dito que a pancada na cabeça lhe daria sonolência e
que talvez melhorasse amanhã. Respirou fundo, aliviado por ela ter adormecido
depois de ter comido o que lhe propôs. Havia uma nuvem negra no ar e ele nem ao
menos sabia do que se tratava.

Pensou no que Dulce lhe perguntara, enquanto vestia suas roupas. Passasse o que
passasse, sim, estaria com ela. Mas por que ela lhe perguntara isso? O que
aconteceu? Tragou a saliva com impotência. Iria esperar...iria dar um tempo a
ela...pois tinha certeza de quando ela se sentisse pronta, ele seria o primeiro
a saber o que lhe passava.

Escreveu um recado num papel que lá havia e o colocou em cima da mesa. Passou
os dedos no cabelo e a observou por um momento, mas logo bateu as pestanas e
decidiu que era o momento de deixá-la sozinha, por ora.

Dulce acordou assustada ao ouvir o som de uma música muito perto e também de
algo que vibrava debaixo de sua cabeça. Abriu os olhos de uma vez, constatando
a escuridão do quarto. A música persistia... Assim como a vibração... E se deu
conta de que era seu celular. Virou-se para o lado e ligou a luz do abajur,
iluminando um pouco aquele quarto. Bocejou, enquanto abria os braços. Havia
dormido demais. Franziu a testa virando-se para o celular que tocava
insistentemente o pegou vendo quem era. E atendeu, sabendo que era Christopher.

Dulce: Alô!
Chris: Estava dormindo?
Dulce: Sim...(deu um sorrisinho)
Chris: Foi bom eu ter te acordado. Acho que se dormisse mais um pouco, a noite
você não dormiria bem. E amanhã vamos começar cedíssimo a gravar.
Dulce: Onde você está? E esse barulho todo?
Chris: Estou no Castelo do Drácula!

Dulce ouviu uma risada feminina e a conheceu, era de Maite.

Dulce: E vão demorar a voltar?
Chris: O problema é esse. Não sabemos a que horas vamos sair daqui. Houveram
alguns problemas técnicos e tivemos que ficar esperando se solucionar, ainda
faltam várias tomadas.
Dulce: Que horas temos aqui?
Chris: Oito da noite.
Dulce: Já?
Chris: Você está dormindo desde a hora que chegamos?
Dulce: Sim, não acordei para nada.
Chris: Você tem que comer, Dulce! Tem que comer a cada três horas!

Houve um silêncio, e Dulce julgou que ele estava irritado.

Chris: Mas ok! Só tive tempo de ligar agora. Seu celular está com defeito?
Dulce: Não, por que?
Chris: Porque sua mãe me ligou e perguntou, disse que não conseguia completar a
chamada.
Dulce: Não sei o que houve. Pelo menos essa foi a primeira vez que senti o
celular vibrar.

Chris: Então cheque suas ligações não-atendidas e
retorne a ligação dela. Sua mãe quer lhe falar desesperadamente.
Dulce: Ela já soube?
Chris: Todo mundo já sabe, Dulce.
Dulce: Como assim todo mundo?
Chris: Você não percebeu que tinha uma câmera de um programa Romeno filmando
nosso ensaio?
Dulce: Sim, vi. Mas pensei que só tinham feito uma tomada e pronto.
Chris: Que nada, gravou tudo. E vazou o vídeo no foro univision.
Dulce: Humm...
Chris: Mas Pedro contou para sua mãe ontem mesmo no hospital. Só que ela disse
que ligou trezentas vezes para o seu celular e não completou a ligação.
Dulce: Não sei o que há. Deve ter sido alguma interferência.
Chris: Pode ser. Mas retorne a ligação dela, ok?
Dulce: Claro que sim! Depois que desligar aqui, eu ligo para ela!
Chris: Não. Depois que eu desligar a Senhorita vai comer, está me ouvindo?
(Dulce bufou) Pedro já mandou alguém levar sua comida. Deve estar chegando aí
já.
Dulce: Ok, Mandão Uckermann! Eu vou comer tudo! Até o prato, satisfeito?

Christopher riu do outro lado da linha.

Chris: Não. Se comer o prato, além de acabar com todos os seus dentes, é capaz
de morrer por algo que lhe perfurou o estômago.
Dulce: Ayy amor...
Chris: Que?
Dulce: Não quero ficar só!
Chris: Mas não vai...eu estou chegando daqui a pouco. Ligue para sua mãe e
converse um pouco com ela, tadinha, está uma pilha de nervos. Explique que não
foi nada grave, e você não tem nada mais que uma anemia besta e um galo na
cabeça.

“E o teu filho no ventre!”

Ela tragou a saliva e se calou por dois segundos.

Chris: Qualquer coisa me ligue imediatamente. Vou colocar meu celular na mão de
Oso, qualquer coisa ele atende e me passa o recado.
Dulce: Sim.
Chris: Agora eu vou indo... Todos já estão voltando a seus postos.
Dulce: Ok, Cielo. Estarei te esperando quietinha.
Chris: Sim, e espero que com todos os pratos limpos!
Dulce (sorrindo): Sim, vai ver.
Chris: Ligue para sua mãe, ouviu? Beijos.
Dulce: Outro para ti, meu amor.
Chris: Te amo.
Dulce: Eu também. (ela abriu um sorriso)
Chris: Até mais.
Dulce: Bye.

Dulce desligou o telefone e sentou-se na cama. Uma tontura se fez presente, mas
a ignorou. Colocou os pés no chão e sentiu a textura do carpete em seus pés.
Procurou ligar a luz, e assim que iluminou o quarto se encaminhou para o
banheiro, onde por alguns minutos ficou sentada atendendo aos chamados da
natureza. Logo após molhar o rosto ouviu umas batidas na porta, e constatou que
era sua comida. Fez uma cara de desgosto, mas estava totalmente consciente de
que tinha que comer tudo. Por ela, por Christopher...e por aquele ser que
guardava dentro da barriga.

Saiu para atender o camareiro que lhe trazia a comida, lhe deu gorjeta e logo
ele se retirou. Dulce voltou ao banheiro para enxugar as mãos e parou diante o
espelho. Estavam tão pálida ainda, sua cara inchada não passava despercebida
por ninguém. Apoiou as mãos na pia, com a toalha entre seus dedos e se viu mais
além do seu reflexo.

Ali estava ela... Uma cantora famosa, uma mulher
bem-sucedida, ocupada...viva, alegre, jovem... Piscou os olhos. Jovem demais
para ter um filho... E Christopher? Meu Deus era mais jovem ainda! Vinte anos!
Ela, vinte e um! Tragou a saliva, cônscia que seria pior se ficasse remoendo os
fatos. Em sua vida não cabia um filho... E o que iria fazer? Pensar na
possibilidade de ir a uma clínica de aborto, fez com que suas entranhas se
revolvessem. Novamente as palavras zumbiam em seus ouvidos... Palavras lhe
chegavam a cabeça como em passes de mágicas... Palavras de apoio, de conforto,
palavras que davam soluções atrozes...palavras de críticas, palavras de
conselhos... Nesse momento não sabia que caminho tomar. Não podia se imaginar
tendo um filho como tampouco podia se imaginar fazendo algo tão...atroz.

Realmente só quem passa sabia o que acontecia. Tantas vezes já criticara muitas
mulheres que resolveram interromper a gravidez indesejada. Já conhecera pessoas
que já realizaram um aborto...não como o da pílula do dia seguinte, mas com o
feto já se transformando. Meu Deus, não conseguia aceitar ser uma dessas
mulheres. Mas se olhasse para o outro lado... Se olhasse para si, podia ver o
tamanho da perda que isso iria lhe causar.

“Ela inventou isso...que coisa mais sem pé nem cabeça...eu não aceito esse tipo
de coisa. Já que engravidou...pois tenha...foi muito mulher para fazer, então
para criar também tem que ser...e isso serve para você também...(falando com
Dulce) nem ouse pensar em uma besteira dessa!”

A voz de sua mãe foram uma das poucas que conseguiu
captar. Como sua mãe reagiria se soubesse que ela estava grávida e que não
pretendia ter esse filho? Virou a cabeça afugentando os pensamentos. Blanca
nunca a perdoaria. Dulce suspirou... Precisava tanto dela ali. Precisava tanto
lhe dar um abraço, se abandonar aos seus cuidados e ouvir o que ela tinha para
dizer sobre tudo isso.

Fechou os olhos por um instante, respirando fundo... Não iria se desesperar.
Conversaria com sua mãe e juntas encontrariam uma solução, como sempre o
fizeram. Que droga! Por que ela estava tão longe naquele momento? Franziu a
testa, bufando...

Voltou ao quarto em poucas passadas e ao ver a bandeja com a comida, lembrou-se
do que o médico lhe falara. Precisava se alimentar...por dois agora.

Buscou a bandeja e a colocou em cima da cama, se acomodou também na cama e
ligou a TV em busca de algo para se distrair, já não agüentava mais aquele
silêncio agonizante. Buscou um canal qualquer e parou na MTV, estava passando
alguns clipes novos e antigos. Enquanto ela comia, ficou assistindo a todos,
quase como um autômato.

http://www.youtube.com/watch?v=GXsjf3_o3MY

Cortando um pedaço um pedaço de carne não percebeu o
novo clipe que começava. Levou o garfo até sua boca e puxou a carne com seus
dentes, baixou a mão levantando a cabeça para dar de cara com Britney Spears,
aquele clipe onde ela estava GRÁVIDA! Dulce pegou o controle de uma vez,
disposta a passar de canal. Mas sua mão se recusou a se mover ao ouvir a
melodia que a canção entoava.

Nada parece estar como costumava ser
Tudo parece superficial
Deus, dê-me a verdade...
Em mim, e diga-me...
Que alguém está observando sobre mim
E isso é tudo pelo que estou rezando...
É que...

Seus olhos marejaram ao ver como ela colocava os pés inchados para fora da
cama. A comida fora esquecida. Dulce não conseguia despregar os olhos daquela
imagem, e nem seus ouvidos paravam de captar aquela melodia.

Algum dia eu entenderei
Todo plano de Deus
E o que Ele faz por mim
Oh! Mas talvez
Algum dia eu respirarei
E finalmente verei...
Verei tudo isso em meu bebê

Tragou a saliva, sentindo como sua garganta se
fechava ao ver como “ela” passava a mão por seu ventre inchado. A letra da
música não passou despercebida por Dulce. Deus estava agindo naquele momento...
E sabia onde ele estava agindo, sabia exatamente que era em seu coração!

Não corra tão rápido, meu bem
Por que você não pára?
Apenas pare e ouça suas lágrimas
Elas são tudo que você tem
Está em você
Eu vejo que alguém está observando por você
E isso é tudo pelo que estou rezando
É que...

- Como foi o
seu sonho? – Dulce indagou olhando para o céu.

Ele ficou confuso.

- Que sonho?
- O seu sonho com Elena...como foi? Como ela era?

Ele sorriu e a apertou mais.

- Foi muito estranho...parecia tão real...
- Ela se parece comigo?

Algum dia Você Entenderá
Todo plano de Deus
E o que Ele tem feito por você
Oh! Mas talvez
Algum dia você respirará
E finalmente você verá...
Você verá tudo isso em seu bebê
Você verá tudo isso em seu bebê

-
Não...só o cabelo pretinho e liso...como o seu quando era novinha. – explicou
ele com um sorriso, recordando-se da fisionomia de uma pequena que estava tão
longe.
- Hummm...não tinha mais nada meu?
- Não...o resto parecia com a minha família...estilo europeu...meu
nariz...minha boca...os olhos do meu avô verdes...as pernas iguais as minhas...
- A bunda também? – indagou ela divertida, provocando-lhe uma risada.
- Sim...ela parecia comigo quando era novinho...
- Hummm...então era a nossa filha? – via as estrelas, um pouco pensativa.
- É...

Nenhum momento será mais verdadeiro
Do que o momento que eu olhar pra você

A imagem de uma criança com os cabelos negros e longos, de cor branca assim
como Christopher lhe descrevera...lhe aflorou a mente. A criança corria em
volta dele, quem a tomava nos braços rindo. Os dois se abraçavam enquanto ela
somente assistia... Enquanto ela somente podia ver aquele sorriso brincando nos
lábios pequeninos, deixando ver seus dentinhos branquinhos...aquele sorriso
lindo...

Está em você
Eu vejo que alguém está observando por você
E isso é tudo pelo que estou rezando
É que...

–
É Dulce Maria...espero que não demore muito...já quero um filho!

Ela olhou para ele assustada, mas depois desviou a mirada para a estrada. Ele
caiu na gargalhada pelo modo como ela o mirou.

- O que está dizendo? – indagou ela com as mãos no volante.
- Que quero um filho...e só serve se for seu. Não quero filho de quem não gosta
de mim...quero que me ame para ter um filho meu.
- Enlouqueceu de vez.- disse rindo sem dar crédito ao que ele dizia.
- Claro que não! – rebateu ele decidido, enquanto agarrava o cinto de
segurança. -Depois que acabar o projeto...mesmo se tiver comigo ou não...vou te
procurar e vamos fazer um filho.
- Pensava que você era uma pessoa normal...me enganei. – ela riu em deboche.
- É...sou um maluco quando o assunto é você. – ela abriu um sorriso terno. - Já
está advertida...projeto acabado...filho ou filha. – ele riu e ela franziu a
testa, assustada pelo rumo da conversa. Christopher parecia falar sério. Tragou
a saliva e o escutou continuar: - Já sonhei muitas vezes com uma menina.
- Disso eu lembro...uma vez você disse dormindo: “Dulce, calla la nena, por
favor!”

Ele a olhou perplexo.

- Isso é verdade?
- Sim...eu fiquei assustada com aquilo. Fiquei me perguntando...quem é essa
Nena?
- Já sonhei várias vezes. – disse ele com um sorriso. - E todas às vezes...a
mãe era você.

Dulce negou divertida com a cabeça, enquanto ele dava um sorrisinho de canto de
boca.

- Só para que tenha uma idéia de como séria é a coisa, sonhei até com o nome.
- Sério? – ele assentiu. - E qual era o nome?
- Elena!

Algum dia... Você Entenderá
O plano de Deus
E o que Ele tem feito por você
Oh mas talvez
Algum dia você respirará
E finalmente você verá
Você verá tudo isso em seu bebê
Você verá tudo isso em seu bebê
Você verá tudo isso em seu bebê
Você verá tudo isso em seu bebê

A canção acabou e Dulce estava beirando as lágrimas. Levou as mãos ao rosto
sentindo como sua garganta se fechava e que seu coração disparava. Já sabia o
que tinha que fazer... E que Deus a ajudasse, não estava sendo nada fácil
aceitar o rumo que sua vida daria agora.

Desligou a televisão disposta a não ouvir mais nada. Não queria pensar, não
queria ouvir... Tudo o que queria era desabafar com alguém. E, obviamente, esse
alguém era sua mãe. Deixou a bandeja com a comida em cima da mesa e foi até seu
celular. O buscou, olhou para a porta... Christopher disse que chegaria daqui a
pouco. Tragou a saliva olhando para a porta. Ele não poderia ouvir nada, por
isso trancou a porta e foi até o banheiro...trancou também a porta e buscou
número de sua mãe na agenda. O apoiou na orelha ao ouvir como chamava. Se
sentia ansiosa...e estava com muito medo... Com medo do que ela poderia lhe
dizer. Respirou fundo...nesse momento as críticas acabariam com sua força de
vontade...

“Você não deve esconder suas coisas da gente minha filha...nós somos sua
família, estamos aqui pra você, para lhe entender, lhe aconselhar mas nunca pra
lhe criticar, entenda isso por favor!”

Mas seu sexto sentido lhe dizia que nada disso
aconteceria. Conhecia sua mãe. Talvez amanhã ela estivesse no primeiro avião
para encontrar com ela. Fizera o certo em ligar para ela. Blanca saberia as
palavras certas a lhe dizer.

O celular chamou muitas vezes, até ouvir alguém atender...e seus olhos
marejaram outra vez ao ouvir a voz preocupada de sua mãe.

Blanca: Dulce?! Minha filha?
Dulce: Mamãe...

Teve que respirar fundo para reprimir as sensações que se faziam presente.

Blanca: Me diga, por favor. Você está bem? Ayy estou tão preocupada! (falava
rápido pela emoção) Graças a Deus! Graças a Deus consegui falar com você!
Consegue falar, meu amor?

Dulce sorriu entre lágrimas ao ouvir o desespero no qual a mãe se encontrava.
Sempre era assim. E gostava disso...

Dulce: Eu estou bem...
Blanca: Estou tão feliz em ouvir sua voz. Eu não consegui dormir essa noite,
preocupada. Com medo de que tivesse acontecido algo.
Dulce: Estou com anemia...
Blanca: Disso eu soube. Pedro me ligou duas vezes hoje pela madrugada.
Dulce: Que horas são aí?
Blanca: Quase três da tarde.
Dulce: Aqui já são quase dez da noite.
Blanca: Mas me diga. Está se sentindo bem agora?
Dulce: Sim, todos estão tratando de me empurrar comida.
Blanca: Christopher está com você?
Dulce: Não, estão gravando o clipe no Castelo do Drácula. Eu fiquei sozinha.
Blanca: Estão na Transilvania?
Dulce: Sim, Pedro adiantou as filmagens...para que nos apressemos para a
Espanha. Depois do show amanhã, iremos embarcar para a Espanha.
Blanca: Ficarão quanto tempo por lá?
Dulce: Um mês.
Blanca: Hummm...não estou gostando disso! Você está doente, precisa de
cuidados.
Dulce: Eu vou me cuidar, mamãe. Pode ter certeza...

Tragou a saliva, sentando no sanitário fechado. Olhou para o box do banheiro,
mas sem nada ver realmente. Estava tentando criar coragem para entrar naquele
assunto.