Fanfic: Três Horas de Loucura - adaptada - Vondy

Estava inquieta demais para dormir. Ficou rondando pelo quarto até que o espelho do guarda-roupa refietiu a imagem de uma moça alta e esbelta, de cabelos ruivos naturalmente anelados, que lhe chegavam até abaixo dos ombros. Apesar de não ter o costume de ficar se contemplando em frente ao espelho, continuou a examinar sua aparência. Os olhos, valorizados por longos cílios escuros, eram uma mistura de castanho e dourado, mas tinham agora uma expressão conturbada. As faces pareciam um pouco pálidas. O nariz, pequeno e reto, tremia de ansiedade, e a boca carnuda estava repuxada numa linha reta de preocupação. Apesar de seu estado de espírito atual, era uma moça muito atraente. Entretanto, nenhum homem se aproximara dela o suficiente para descobrir suas qualidades e perceber o que havia por trás daquela frieza aparente. Com exceção de Guilhermo Ochoa.
Memo! Lembrou-se dele ao sentar-se na cama e olhar as malas, já prontas para a partida no dia seguinte. Memo podia ser um profissional duro e exigente, mas como homem era bondoso e compreensivo. Depois de quatro anos trabalhando juntos, havia nascido uma grande amizade entre eles. Memo fora o primeiro a perceber que as pressões exercidas sobre ela estavam se tornando intoleráveis.
— Você precisa se afastar daqui — ele havia sugerido certa manhã. — É uma secretária perfeita e eu não gostaria de perdê-la, mas digo isso para o seu próprio bem.

No início, a simples idéia de deixar as amadas planícies do Karoo era insuportável para ela mas, com o decorrer do tempo, foi se convencendo de que a sugestão era oportuna. Precisava ir para algum lugar menos provinciano, onde sua vida particular não sofresse interferências alheias. Começara então a candidatar-se a empregos em outras cidades, e a Empresa Uckermann de Engenharia, de Joanesburgo, lhe fizera a oferta mais tentadora. Numa sexta-feira, com a aprovação de Memo, ela usara as horas do expediente para comparecer à entrevista e levar os documentos exigidos, tendo sido a escolhida entre várias outras candidatas.
Dulce bocejou e consultou o relógio de cabeceira. Meia-noite e meia! Precisava dormir um pouco para enfrentar a longa viagem do dia seguinte, ainda mais que iria dirigindo.
Os pais haviam concordado em não fazer uma despedida demorada e chorosa, mas Dulce não pôde deixar de sentir uma forte emoção quando, naquela manhã de abril, atravessou os portões da fazenda ao volante do seu Fiat verde. Tinha muitas horas de viagem pela frente e o sol, já forte àquela hora da manhã, prenunciava mais um dia de muito calor.
A jornada iria ser cansativa e Dulce fez várias paradas ao longo da estrada. Quando chegou ao hotel onde tinha feito reserva, já estava anoitecendo.
Antes de tomar um banho refrescante e vestir-se para o jantar, pediu uma ligação interurbana à telefonista.
— Estávamos tão preocupados com você, Dulce, viajando sozinha para tão longe! — a mãe foi logo dizendo, ao atender ao telefone.
— Eu estou ótima, mamãe — Dulce assegurou. — Sinto-me um pouco cansada, mas uma boa noite de sono resolverá o problema.
— Espero que esteja num hotel respeitável.
Dulce examinou o luxuoso apartamento pela primeira vez e sorriu.
— Fique tranquila. O hotel é ótimo!
— Escreva e nos avise se precisar de alguma coisa — o pai disse, logo que teve uma chance de falar.
— Escreverei tão logo eu me ajeite por aqui.