Fanfic: A Donzela e o Monstro (TERMINADA) ;´(

***

 
-Assim que meu senhor deixa que a pobre garota fique? -pergunto Haldana
quando Ulric entrou na lúgubre habitação para comprovar que tal estava sua
hóspede. Pequenos cachos de grisalho cabelo ruivo brotavam de sua cabeça,
balançando com cada um de seus vigorosos movimentos-. Podemos transportá-la
deste quarto a um mais apropriado?

 
-Sim, Haldana, pode ficar. -Ulric sorriu tristemente, ignorando sua
última pergunta e inclinando-se para dar à mulher um beijo breve e carinhoso na
bochecha. Dirigiu-se para a estreita janelinha que havia na parede e observou
os raios que iluminavam o céu. Ulric viu a silhueta do duque com claridade. Alfonso
esfaqueava o ar com sua espada enquanto a chuva empapava suas roupas. O nobre
se exercitava lutando contra uma criatura imaginária. Sacudiu a cabeça
ironicamente; Ulric sabia que com quem de verdade lutava seu senhor era contra
os demônios do passado. Sabia que, tristemente, o demônio resultaria vencedor-.
O disse que a deixaria ficar.

 
-Não, aposto a que o convenceste. Pediu-o primeiro que a abandonassem no
bosque? -Haldana suspirou quase com melancolia e passou a mão pela bochecha
gordinha em que tinha recebido o beijo.

 
Haldana era uma mulher grande, mas levava seu excesso de peso com uma
graça tão enérgica que o fazia parecer muito mais nova. Seus membros estavam em
constante movimento: ordenando um pouco por aqui, endireitando outro pouco por
lá. Entretanto, nunca parecia limpar muito e passava o dia fazendo um montão de
pequenas coisas sem importância.

 
-Não -riu Ulric, sacudindo a cabeça ante sua astúcia.

 
-De verdade? -perguntou Haldana, surpreendida, e retirou a mão da
bochecha para retorcer o avental com as mãos. Seguiu o olhar de Ulric para sua
paciente.

 
-Disse que a deixássemos na campina -comentou Ulric secamente.

 
-Sabia que diria algo assim. -Haldana se sacudiu com um suave sorriso.
Seu corpo se moveu com nervosismo para remeter os lençóis sobre sua carga
imóvel-. Que mais disse? Que deixássemos a pobre criatura nua?

 
-Não, quer que arrumemos suas roupas. Não quer lhe proporcionar mais do
estritamente necessário. -Ulric se moveu para frente, respirando com
dificuldade-. E não me atrevi a 
perguntar se podíamos transportá-la, pois suficiente trabalho me há
custado que aceitasse tê-la aqui. Acredito que só aceitou para não zangar ao
rei Pedro e pôr em perigo o tratado. Assegura não lhe importar a paz, mas
acredito que minta; minta a si mesmo. Já desde menino, não podia suportar as
lutas que rasgavam o país; por isso trabalhou tanto para conseguir a paz
enquanto estava a serviço do rei Victor.

 
Haldana assentiu com tristeza.

 
-Mas quando sua mulher não lhe deixava viver em paz em sua casa, deixou
de tentá-lo e se foi à guerra. Esperemos que Lady Lurlina não lhe arrancara
toda a compaixão. Acredito entrever um raio de seu antigo ser de vez em quando.
-Ulric se voltou para olhar à donzela, sacudindo a cabeça com pena e se
afastando da janelinha. A jovem não se movia, nem sequer se revolvia em sonhos.
Colocou-se junto à mulher e a examinou durante uns segundos, antes de
continuar-: Meu senhor acredita que poderia ser uma benjamima assassina.

 
-Não -disse Haldana com certa consternação-. Não há mais que olhá-la.
Aposto-me o pescoço a que é uma dama. Assim que seus dedos se curarem, serão
tão suaves como um pote de creme. Esta criatura não é uma vulgar ladra.

 
-Há -esteve de acordo Ulric com um suave assentimento de cabeça.
Observou com pena o rosto jovem e espancado da mulher. Tinha a pele cheia de
machucados, os olhos inchados completamente fechados e as feições tão escuras e
distorcidas que nem sequer podiam distinguir as linhas a cada lado do nariz. O
que é pior, tinha visto a forma em que suas roupas lhe tinham sido arrancadas
do peito; não se atrevia nem a pensar no que era mais que provavelmente lhe
havaim feito-. Sobreviverá? Disse a sua senhoria que sim; não queria lhe conceder
a desculpa para não ajudá-la. Acredito que se suspeitasse que está a beira da
morte, daria-lhe as costas.

 
-Não sei. Acredito que depende das vontades que tenha de viver. Se não
quiser viver, morrerá. -Haldana suspirou-. Ficarei com ela e a vigiarei. Por
favor, ordenéis às garotas que se encarreguem de minhas tarefas.

 
-Sim, já o tenho feito. -Ulric entrecerrou os olhos, examinando-a
profundamente, e retirou a colcha da garganta arroxeada da jovem. Franziu a
testa; parecia que a tinham estrangulado-. Meu senhor a deixou a meu cargo até
que desperte. Quando o fizer, quer falar com ela.

 
-Acredito que a meu senhor aterra que esteja aqui porque é uma mulher, e
uma mulher de sua classe, além disso.

 
-Sim, eu também acredito. Não me acreditou quando lhe disse que era uma
beleza. -A verdade era que Ulric só via a linha do esbelto corpo da dama
desenhado através da colcha e seus lábios cheios, mas só havia dito que era
bonita para incomodar a seu senhor. Soltou a colcha, que voltou para sua
posição original, cobrindo o pescoço da mulher nobre. Acariciou-se o cabelo
enxuto do bigode com o dedo.

 -Não seria bonito que tivesse chegado aqui
para derreter o malefício que assola o coração do senhor? -suspirou Haldana com
melancolia-. Sim, e até o malefício deste castelo; assim o Monstro de Lago Azul
nos deixaria de uma vez por todas.

 
-És uma sonhadora romântica, querida Nina. -Ulric beijou brevemente a
testa de Haldana e se voltou para partir- Me avise assim quando desperte.

 
-Sim, Ulric, farei isso. -Haldana ria como uma menina quando fechou a
porta. De fora do quarto, pôde ouvir que dizia-: Pobre menina, não sabe no que
te meteste vindo aqui.