Sinopse: O Corvo
- Mãe? - indagou a menina, como se esse chamado carregasse a necessidade da explicação de tantas coisas que ela desejava há tanto tempo.
- Senhor, ilumine nossos dias e aponte-nos o caminho certo. Faço-me instrumento da tua vontade, estou aqui Senhor, sou serva de ti e nada mais. Não permita que o horror que habita a Terra ponha um fim nos dias de minha filha. - as palavras saiam da boca da mulher rapidamente, como se estivesse chicoteando um herege não merecedor da bondade de Deus. - Não permita que o medo e a escuridão arranquem a sua juventude e todas as maravilhas da vida enorme que ela tem pela frente. Não permita que sintamos medo, Senhor, não, não permita..
- MÃE! - o grito seco da garota ecoou na garagem. - SAIAM DAQUI!
A porta que dava acesso para a garagem da casa foi arrombada e, seguida de um estrondo, arremessada no chão. Haviam três deles. Ela olhava para os três e eles a encaravam de volta, com seus rostos desfigurados e seus corpos mutilados. O primeiro aparentava ter sido um jogador de futebol, ou até de golfe, a julgar pelo seu porte físico. Os outros dois não aparentavam absolutamente nada. Eram a personificação do medo, da desgraça. Um pedaço de carne, espreitando a procura de mais carne. Eram o humano na maior primitividade imaginável. Eram monstros. Sim, definitivamente eram monstros.
A distância entre eles para a mãe e a filha era inversamente proporcional aos gritos da mulher. Quando estavam rastejando e grunhindo a menos de 4 metros, sem pensar, sem hesitar, a mãe levantou-se e correu em direção a aberração que estava vendo. Manteve seu grito, porém não havia mais medo nele. Havia uma mistura de ódio com alívio. Alívio por poder pôr um fim no pesadelo que vinha vivendo, ódio por sentir-se impotente diante da filha.
Mesmo aos 7 anos, no auge da idade das perguntas complicadas, agora nada mais precisava de respostas. Nada mais importava. A garota estava estática diante da cena que seus olhinhos verdes viam. Era a figura materna, que tanto lhe confortava quando tinha temia qualquer coisa, era a sua mãe que estava ali. Via os olhos de dor da mulher ficarem cada vez mais fora de órbita enquanto aquelas outras três figuras abriam seu abdômen e dilaceravam suas entranhas. As lágrimas esfumaçaram os olhos da garota e agora tudo o que ela podia enxergar era um grande borrão de vermelho. Um tom de vermelho cruel e sombrio. Sentiu seus ossos se contorcerem e então, naquele instante, sentiu medo. Sentiu o medo na sua forma mais pura e perversa, o medo que a mãe desejava que nunca sentisse.
Ela não entendia muito bem de morte, era um assunto complicado. Nunca soube qual o motivo, quando acontecia e nem o que vinha depois dela. Mas naquele instante, acima de qualquer inexperiência de uma criança de sete anos, ela soube que morreria.
Autor(a): M.Martinez