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Sinopse: “Felicidade Clandestina” de Clarice Lispector



“Felicidade Clandestina” de Clarice Lispector


Ela era uma criança tímida, triste, não tinha sonhos e extremamente calada, não gostava de ler e nem se expressar. Mas, possuía algo que encantava a todos que o conheciam, seus cachos loiros, cheios de vida, cachos que transbordavam, que trazia doçura. Mas, havia uma tristeza em seu olhar, parece que ela não conhecia a magia de viver, a alegria de ler, mesmo possuindo um pai dono de uma livraria.
Pouco aproveitava, a riqueza que possuía, não compartilhava com o os amigos nem ao menos um livrinho barato, ela apenas entregava um cartão postal da loja do pai, nos aniversários. Ainda por cima era de paisagem da cidade onde morava, com fotos já vistas muitas vezes pelos seus colegas. Escrevia atrás apenas “saudades”.
Mas que tristeza tinha aquela pequena menina. Ela não deixava ser levada pelo amor, não acreditava nas pessoas que o cercava, porque não aproveitava para ler os contos mais belos existentes dentro daquela livraria. Ela foi se tornando uma menina desamorosa. Na minha ânsia de ler, eu nem notava as humilhações a que ela me submetia: continuava a implorar lhe emprestados os livros que ela não lia.
Até que um certo dia ela começou a exercer sobre mim uma tortura brasileira. Como que sem querer começou a me falar, que tinha na livraria do seu pai o conto que eu mais amava: As reinações de Narizinho, de Monteiro Lobato.
Era um livro conhecido por muitas crianças e desejado pela maioria delas, um livro para usar na cabeceira da cama, para comer e beber todos dias. Logo, ouvi uma frase surreal. Disse-me que eu passasse na sua casa no dia seguinte e que ela o emprestaria.
No dia seguinte eu levantei flutuando, sem acreditar no que poderia acontecer naquele dia radiante, eu me transformei em uma libélula saltitante: eu não vivia, flutuava devagar num mar de bolinhas coloridas, as bolinhas me cobriam sorrindo.
No dia seguinte, fui a sua casa, pulando de alegria. Ela não morava em um sobrado cor de rosa como eu e sim numa casa azul. Não me mandou entrar, e logo me falou que havia emprestado o livro para uma menina, e que voltasse na outra semana para buscá-lo. Muito chateado e triste, sai correndo chorando, chegando na esquina, parei e uma esperança me tomou por completa, pois existia a chance de tê-lo comigo na próxima semana, e então sai pulando de alegria, e mais uma vez não cai quando a alegria me tomava juntamente com a esperança de conhecer as ideias fantástica de Narizinho.
Mas não aconteceu o que eu sonhei todas as noites que antecederam essa semana tão esperada. Assim, que bati na sua porta ela disse que ainda não tinham trazido o livro, e que eu voltasse no dia seguinte. Mal sabia eu como seria difícil aguentar o drama de esperar mais um dia com o meu coração batendo ansioso.
E assim, se prolongou esse sofrimento por muitos dias. Não sei o que planejava, comecei a pensar porque ela me escolheu para sofrer, eu comecei a ir todos dias em sua casa buscar a esperança, mas ela não importava com o meu desejo incansável de ter este livro comigo. E eu, que não era dada a olheiras, sentia as olheiras se cavando sob os meus olhos espantados.
Até que um dia, quando ia chegando, quando eu estava a porta da sua casa, ouvindo humilde e silenciosa a sua recusa, apareceu sua mãe, toda alegre e feliz, porque sua filha havia encontrado uma amiguinha que quase todos os dias vinha vê-la, mesmo que em suas aparições não houvesse praticamente nenhum diálogo. Até que em um momento sua mãe quis saber por que não conversávamos normalmente, foi a partir dai que tudo foi esclarecido, e sua mãe disse que o livro nunca tinha saído de sua casa.
E o pior para essa mãe foi descobrir, quantos sentimento de tristeza e maldade essa garotinha de cachos tão encantador carregava. Ela nos espiava em silêncio: a potência de perversidade de sua filha que ela desconhecia e a menina em pé à porta, cansada de andar as ruas da cidade. Foi então que finalmente mesmo se sentindo triste com aquela situação e envergonhada, disse firme e calma para a filha: não podemos agir com o próximo desse jeito, somo dependente um do outro, por isso você precisa pedir desculpas e emprestar o livro por quanto tempo ela quiser. E isso me deixou muito feliz, me fez esquecer todos dias que fui atrás deste livro e não pude encontrá-lo, voltando para casa triste e desanimada, e ficar com o livro quanto tempo eu quisesse era tudo que uma pessoa apaixonada por Narizinho podia querer.
Como contar o que seguiu? Eu estava muito feliz, assim que recebi o livro comecei a cantar de emoção, meu peito pulava de tanta felicidade, pensei que ele iria parar naquele momento.
Chegando em casa, não consegui começar a ler de imediato, pois queria viver aquele momento inicial por mais tempo. Horas depois abri-o, li algumas linhas encantadoras, fechei-o de novo, e fui comer uma maçã, fingi não sabia onde tinha guardado o livro, pois apreciava cada momento que ele estava comigo, e tinha medo só de pensar em devolvê-lo. No dia seguinte, a menina triste que não queria me emprestar o livro, chamava no portão de minha casa. Logo, veio aquele medo, de que ela iria levar o livro antes mesmo que pudesse viver o tão sonhado mundo da Narizinho, havia orgulho e pudor em mim. Logo, ela disse que queria ouvir eu ler o livro, fiquei feliz, pois vi nos olhos daquela garotinha esperança de se transformar numa menina alegre e sonhadora.
Me sentei em um balanço e ela em outro, balançando-me com o livro aberto no colo, sem tocá-lo, com uma alegria enorme estampada no rosto, comecei a ler o livro que por muitas noites sonhei em descobrir por que Narizinho tinha este apelido. Não era mais duas meninas que não gostavam uma da outra, nascia ali uma grande amizade, capaz de sustentar a leveza de um sorriso e o peso de muitas lagrimas.

CARIOCA, Nataniele do Nasicmento. Reescrita de “Felicidade Clandestina” de Clarice Lispector. 2019.
Autor(a): natiele_tk
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